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Para encerrar, essa news traz dois textos: uma crônica sobre Workation, mistura de férias e trabalho, e uma reportagem sobre Medellín, na Colômbia.
Um abraço e muito obrigado!
Rafael, Natália e Luíza.
Um passado de guerra e narcotráfico e a transformação de Medellín
Medellín já foi sinônimo para violência e Pablo Escobar, mas hoje é uma das cidades mais inovadoras do mundo.
Hernán, motorista e guia de turismo em Medellín, era apenas uma criança quando viu sua cidade ser tomada por uma guerra civil: "Dessa época, me lembro do som dos helicópteros e das pessoas fugindo", conta.
Hoje condutor em uma agência de turismo local e responsável por traduzir as informações do guia José Miguel para os visitantes de língua inglesa, ele também tem muito a dizer sobre o tema: "Meu pai era membro do cartel de Cáli. Ele vivia em San Francisco, nos Estados Unidos, e era responsável por facilitar a entrada do dinheiro do tráfico no país. Eles foram atrás dele mais tarde. Não há muitas pessoas dessa geração vivas em Medellín", explica.
A cidade foi o palco principal dos conflitos que assolaram a Colômbia no final do século 20, chegando a ser considerada a cidade mais violenta do mundo, com taxas de mortalidade comparáveis a zonas de guerra.
As marcas dessa violência ainda estão por todas as partes. Nos grafites coloridos das Comunas, nas paredes que levam marcas de tiros, nos destroços de locais que foram alvo dos incontáveis atentados a bomba, nas memórias das pessoas que viram de perto o conflito.
Hoje, essas mesmas ruas são testemunhas de sua transformação. Eleita, em 2013, a cidade mais inovadora do mundo, a Medellín atual é uma cidade moderna, cheia de vida, festeira e, em especial, segura. Embora ainda apresente riscos comuns a qualquer outra metrópole latino-americana, a guerra já não faz mais parte do dia a dia da cidade.
Durante o passeio que me mostrou esse passado, comentei com Hernán como era impressionante ver de perto como a cidade saiu de uma escalada de violência sem precedentes para se tornar o que é hoje. Ele riu e respondeu: "Nós cuidamos da cidade porque nunca mais queremos repetir essa história".
Os números da guerra e história da violência em Medellín
Para entender a transformação de Medellín é preciso, antes, conhecer sua história e o contexto que gerou tanta violência. Uma metrópole de 3 milhões de habitantes que cresce espremida em um vale, a ocupação na região foi um fator decisivo para a segregação da cidade. O centro comercial e as regiões mais abastadas ficam no meio, nas partes mais baixas e planas. Pra quem não tinha dinheiro, restava se alojar nos morros e encostas.
Você já deve conhecer essa história: essa ocupação desordenada de barracos em áreas pouco acessíveis deu origem a inúmeras favelas. Em Medellín, morro é apelido: isolados no alto de encostas íngremes, os moradores desses locais não tinham acesso a serviços básicos de saneamento, saúde, transporte e educação.
Quando desciam até a cidade, muitos deles tinham que caminhar por horas até chegar em casa. "Dependendo de onde estava sua casa, você precisava literalmente escalar para chegar até ela. As pessoas subiam fincando estacas de madeira na terra", conta Janeth, moradora da Comuna 13 e guia local na comunidade. Até o início dos anos 2000, havia 282.000 pessoas em situação de extrema pobreza vivendo em Medellín.
Como o estado não chegava ali, o vácuo de poder só foi preenchido quando o narcotráfico emergiu no país com a criação do Cartel de Medellín, em meados dos anos 1970.
Liderado pela figura de Pablo Escobar, o Cartel de Medellín foi responsável por conceder inúmeros benefícios aos moradores da região. A imagem de benfeitor ou "figura ambígua", no entanto, deve ser questionada. Ao conseguir a gratidão e a confiança de uma população antes esquecida pelo poder público, ele conseguiu também cooptar pessoas para seu negócio e ser blindado pelos membros da comunidade, que por anos se recusaram a colaborar com a polícia com informações sobre o narcotraficante.
Um exemplo dessa atuação do Cartel de Medellín ainda está vivo no bairro "Medellin sin Tugúrios". Em espanhol, tugúrios significa casebre ou habitações precárias. Naquela época, esse lugar não tinha nem isso. "As pessoas aqui viviam em um lixão", conta o guia José Miguel. "Foi o Pablo Escobar que chegou e construiu casas de alvenaria para os habitantes, fazendo o trabalho do Estado", explica. Ainda hoje, os moradores locais exibem murais de arte de rua em homenagem ao traficante e batizaram a região de Barrio Pablo Escobar, muito embora a prefeitura não reconheça esse nome.
No entanto, essa polêmica em relação aos feitos do maior traficante de drogas de todos os tempos é menos difundida do que parece. Passados anos do conflito, a lembrança que grande parte dos habitantes tem dele é da era de violência generalizada que ele provocou na cidade. "Entendemos que as pessoas daqui sejam gratas pois foram beneficiadas das ações dele, mas é preciso não romantizar seus atos", completa Hernán.
Em seu auge, o cartel controlava grande parte do tráfico mundial de cocaína. Quando o comércio da droga passou a ser disputado pelo Cartel de Cáli e as forças de segurança, aliadas a grupos paramilitares, aprofundaram a guerra às drogas, a cidade mergulhou no caos. Medellín chegou a registrar cerca de 6.500 homicídios em 1991, mais de 17 por dia. Naquela época, a taxa de homicídios era maior que 300 por cada 100.000 habitantes, sendo essa a principal causa de mortalidade na cidade. A infraestrutura estava em frangalhos, a economia local devastada e muitos cidadãos viviam em um constante estado de medo.
A transformação de Medellín
A morte de Escobar em 1993 marcou o fim do Cartel de Medellín e o início de uma era de transformações. Embora a violência não tenha cessado de imediato, a cidade iniciou um lento processo de recuperação.
Ao longo da década de 2000, políticas inovadoras e programas de desenvolvimento foram implementados.
O foco estava no investimento em educação e infraestrutura, especialmente em áreas carentes que por tanto tempo foram negligenciadas. Entre as medidas, estavam importantes investimentos em educação e a construção de bibliotecas, escolas e hospitais.
Mas, sem dúvidas, um marco decisivo nesse processo foi a ampliação do sistema de transporte público da cidade, hoje considerado um dos mais abrangentes e acessíveis do mundo. A construção do metrô de Medellín e os metrocable, sistema de teleféricos que ligam as comunidades nas encostas íngremes das montanhas ao centro da cidade, transformaram a relação dos moradores das comunidades com a cidade. Com os teleféricos interligados ao transporte público, essas pessoas passaram a ter acesso facilitado ao resto da cidade, e a todas as oportunidades de emprego e cidadania que encontrassem nela.
A taxa de homicídios caiu para menos de 100 por cada 100.000 habitantes, e a população que vive com menos de 1,25 dólares por dia diminuiu de 47% em 1990 para 22% em 2010. A cidade tornou-se um centro de inovação, sendo nomeada "a cidade mais inovadora do mundo" pelo Wall Street Journal e Citigroup em 2013.
Esse título colocou Medellín também no mapa do turismo internacional. A Calle Provenza, da hipster vizinhança do Poblado, exibe faixas que proclamam "a rua mais cool do mundo", título conferido pelo portal TimeOut. Seus bares, cafés e restaurantes estão repletos de pessoas de todas as partes do planeta e que hoje se reúnem para festejar.
O Exemplo da Comuna 13
Durante os anos mais críticos, a Comuna 13, uma região periférica de Medellín, chegou a ser conhecida como "o bairro mais perigoso do mundo". Historicamente uma área de alta tensão, onde a violência do cartel, os conflitos de gangues e os combates militares ocorriam diariamente, hoje é também o símbolo mais forte da resiliência e renovação da cidade, graças a um esforço coletivo da comunidade local.
"O bairro era todo dividido em fronteiras invisíveis. Se cruzássemos uma rua que não deveríamos, éramos imediatamente assassinados por facções rivais", conta Janeth.
Esse ciclo de violência e pobreza se perpetuou até a virada do século, quando a prefeitura começou a investir na área, visando melhorar a qualidade de vida dos residentes. A cidade implementou projetos de infraestrutura, como a construção de bibliotecas públicas, escolas e parques, e a instalação das famosas Escadas Rolantes ao Ar Livre, que facilitaram o acesso ao bairro situado no topo da colina.
Além de mais qualidade de vida, as medidas também proporcionaram aos moradores uma melhora na auto-estima e a sensação de progresso. Assim, eles próprios passaram a se envolver diretamente na transformação da comunidade.
Cansados da violência e determinados a mudar a reputação do bairro, começaram a usar a arte como uma forma de protesto e expressão. Grafites coloridos passaram a cobrir as paredes do bairro, contando histórias de resistência e esperança. A arte de rua da Comuna 13 tornou-se um atrativo para os visitantes da cidade, transformando a área no destino turístico mais popular de Medellín.
Os artistas locais também começaram a organizar eventos culturais, como o agora famoso Festival de Hip Hop de Medellín, atraindo visitantes de toda a cidade e até mesmo de outros países. Estas iniciativas ajudaram a reunir a comunidade, fortaleceram a identidade local e deram aos jovens novas possibilidades de vida. A atenção recebida pelo bairro proporcionou aos moradores uma nova fonte de renda por meio da prestação de serviços direcionados ao turismo, o que, por sua vez, segue gerando melhorias e progresso na região.
Hoje, a Comuna 13 é um lugar criativo, que respira arte e sentimento de comunidade. Ainda existem desafios, como a pobreza persistente e o crime residual, mas a narrativa dominante é de esperança.
O que diabos é Workation?
Workation é o novo termo do momento para o mundo dos trabalhadores remotos. Junta “Work” (Trabalho) e “Vacations” (Férias).
No início de março, Amelia, uma amiga inglesa, embarcou para um mês no México. Não de férias, mas para viver e trabalhar de lá remotamente durante o período. De longe, acompanhei fotos de tacos e margaritas depois do fim do expediente, mas também a encontrei durante reuniões com clientes no horário no'rmal de trabalho.
Já Charlie, outra colega, veio me perguntar o que significava “MB” na informação sobre internet do apartamento que estava alugando no Rio. Essa semana ela embarca para um mês entre Brasil e Argentina, de onde vai trabalhar para uma empresa na Inglaterra. Conversamos sobre como lidar com o fuso - já que eu estou acostumada a viver a diferença de horário do Brasil - e trocamos dicas de segurança para gringos.
Workation é o novo termo do momento para o mundo dos trabalhadores remotos. Junta “Work” (Trabalho) e “Vacations” (Férias). Trabrias? Féralho? O nome em português não dá muito certo, mas a ideia é simples: embarcar numa viagem sem gastar os dias de férias, aproveitando-se da flexibilidade do trabalho remoto para conhecer um lugar novo.
As buscas por Workation no Google subiram 455% em 2022, segundo a ferramenta Google Trends. Apesar do termo já existir há uns 10 anos, foi durante a pandemia que ganhou força. E muita gente que conheço realizou uma forma workation sem conhecer o termo: alugar uma casa na praia e trabalhar de lá durante a quarentena… fugir para um sítio no interior, mas garantir o wifi para seguir na labuta…
A diferença entre a workation e o nômade digital fica mesmo no tempo da viagem. Enquanto os nômades viajam e trabalham sem limites de tempo ou uma casa para voltar, a workation, assim como as férias, costuma ter começo, meio e fim. Envolve menos preocupação com vistos e logísticas, é bom ter um gostinho de como é a vida de quem vive viajando sem ter que se desapegar das próprias raízes.
Esse tipo de viagem dura de 1 a 2 meses. Por um lado, tem custos menores do que uma viagem de férias mais curta, porque os gastos com acomodação e alimentação são mais diluídos entre supermercados e aluguéis de temporada com desconto. Por outro, para quem faz workation, os boletos para pagar em casa ainda seguem firmes, o que pode ser um grande impeditivo para muita gente.
Além disso, na prática, não é qualquer empresa que permite uma workation numa boa. A não ser que você seja freelancer ou dono da sua empresa, talvez terá que convencer seu chefe de que esse período viajando não vai atrapalhar suas entregas de trabalho. Se quiser, pode até jogar aquela conversa coorporativa de que vai melhorar a sua produtividade… tem até estudos que comprovam, rs.
Para quem quer se organizar para uma Workation, vale lembrar da mesma regra que qualquer trabalhador remoto ou nômade digital precisa seguir: garantir que você tenha um espaço de trabalho adequado, com boa mesa e cadeira e acesso à internet de qualidade. Por exemplo, Amelia, minha amiga lá do início do texto, além de pesquisar bastante antes de reservar um apartamento no destino da viagem, também fez uma pesquisa de espaços de co-working em que poderia ir no caso de emergências.
E é bom lembrar também que, apesar desses novos modelos de vida e trabalho existirem, você não é obrigado a gostar. Apesar da workation funcionar muito bem para algumas pessoas, está tudo bem se você preferir manter as férias e as viagens bem separadas do trabalho.