CGV#17 - Shakespeare escreveu sobre a Itália sem nunca pisar na Itália
E Verona talvez seja uma das primeiras atrações fabricadas para agradar turistas
Olá viajantes!
Estou há cinco meses no Brasil, e essa é minha estadia mais longa no país desde que a pandemia trancou todas as fronteiras. Mas já tirei a mochila do armário para me preparar para outra temporada de viagens. Esta semana, embarco em uma nova aventura e deixando a terrinha para trás por um tempo. Meu próximo destino? A vibrante e alegre Colômbia!
Durante minha estadia na terra de Gabriel García Márquez e do mágico realismo, pretendo explorar a rica cultura colombiana, me perder pelas ruas coloridas de Cartagena, sentir o pulsar da vida urbana em Bogotá e mergulhar na natureza exuberante da região do Eixo Cafeteiro. A princípio, usarei Medellín como base e, depois, vou me mudar para a charmosa Santa Marta. Vou com vocês as experiências, descobertas e reflexões que surgirem pelo caminho nos textos dessa newsletter, nas dicas de viagem do blog, no Instagram e também no meu novo canal do Youtube (já me segue por lá?).
Nesta edição, temos uma reportagem da Luíza que desmascara o mito sobre a história de Romeu e Julieta. Já o Rafa fala sobre mudanças inevitáveis de casas, ruas, cidades e da vida.
Esperamos que vocês gostem!
Um abraço!
Shakespeare pisou na Itália? Verona e o mito de Romeu e Julieta
“Se Romeu e Julieta de fato existiram, não dá para afirmar ou negar, com certeza. Mas a necessidade de criar pontos turísticos - reais ou inventados - em tributo a eles, só surgiu duzentos anos após a publicação de William Shakespeare.”
Parada em uma longa fila de pessoas que erguiam o celular para capturar o pátio da Casa Di Giulietta, perguntei pra minha amiga: Shakespeare ao menos veio a Verona?
Apesar de saber que a varanda da casa – de onde o casal professa seu amor e decide se casar – era apenas uma criação para turistas, não tinha ideia de por que Shakespeare escolheu Verona como cenário para sua famosa tragédia ou se os sobrenomes Montecchio e Capuletto tinham algum fundo de verdade.
A resposta para essa pergunta, descobri, é mais complexa do que posar para fotos tocando nos seios da pobre estátua de Julieta ou deixar cartas de amor entre os tijolos da casa.
Shakespeare na Itália
Segundo biógrafos e historiadores, Shakespeare nunca viajou para fora da Ilha Britânica. Isso considerando sua história de vida, onde não há registro de viagem, e também a época em que ele viveu, de 1564 a 1616, quando longas viagens para turismo não eram nada comuns.
Seu encanto com o país e as diversas peças que escreveu com pano de fundo italiano vêm do contato com materiais impressos. Muita gente talvez não saiba, mas ele se inspirou fortemente em histórias escritas por autores italianos.
Romeu e Julieta tem origem na mente de Luigi da Porto, um nobre de Vicenza, que escreveu o conto sobre o casal em 1531. O nome das famílias rivais, Montecchi e Cappelletti, foi inspirado numa passagem de “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, escrita 200 anos antes.
A história se popularizou em Verona e, com o tempo, passou a ganhar novas versões de outros autores. As mais famosas foram de 1553: um romance de Matteo Bandello e um poema de Gherardo Boldier.
Essas histórias acabaram sendo traduzidas para o francês e chegaram na Inglaterra. Em 1596, William Shakespeare fez sua versão para a dramaturgia, com o título “A mais Excelente e Lamentável Tragédia de Romeu e Julieta”. E o resto é história.
Turismo em Verona no século 19
Se Romeu e Julieta de fato existiram lá nos tempos de Dante, não dá para afirmar ou negar com certeza. Mas a necessidade de criar pontos turísticos reais ou inventados em tributo a eles só surgiu duzentos anos após a publicação de William Shakespeare.
Entra em cena o Instagram de 1814: as cartas publicadas por famosos escritores ingleses e franceses, fazendo sua Grand Tour. Basicamente, um roteiro de viagem que jovens europeus abastados faziam por países considerados berços do conhecimento, como Grécia, Itália e Egito.
A Grand Tour se popularizou no século 19 e com ela acabaram surgindo os primeiros tours guiados e o termo turista, assim como os primeiros guias de viagem. Autores famosos da época passaram a fazer essas viagens e escrever cartas - com o objetivo de publicar livros - sobre suas jornadas.
A necessidade de autenticidade e intelectualismo das histórias levou autores como Lord Byron, Hans Christian Andersen e Charles Dickens a procurarem por alguma prova histórica sobre a existência dos personagens ficcionais e escreverem cartas emocionadas sobre como fizeram os mesmos passos de Romeu ou se encantaram com a aura romântica do túmulo de Julieta.
Tudo isso com base numa fabricação: alguém, sabe se lá quando, encontrou uma tumba no antigo convento de San Francesco al Corso, de uma Giulietta Capello. Daí, foi um pulo para encontrarem uma suposta casa do pai dela, Antônio Capello.
“A casa-torre no número 23 da via Cappello tem origem medieval e é atestada em documentos já em 1351. Abrigava uma pousada, chamada del Cappello, de propriedade dos herdeiros de um certo Antonio Cappello”, explica, em italiano, o site oficial da Casa Di Giulietta. Fique claro, que a linha seguinte do parágrafo diz: “A família Veronese dos Cappellos nada tinha a ver com os Cappellettis do Purgatório de Dante.”
Mesmo sabendo que a tumba não era da Julieta da história, o local virou ponto de peregrinação dos jovens ricos do século 19. As pessoas literalmente retiravam pedaços da pedra como souvenir ou entravam no sarcófago para se deitar como Julieta, a ponto do local ficar completamente degradado. Em meados daquele século, a Congregação de Caridade, dona do edifício, precisou construir uma capela para tentar proteger o local.
A casa-torre medieval no centro de Verona também não estava na melhor das formas, até que, no início do século 20, a prefeitura comprou o edifício.
O mito de Romeu e Julieta
No auge do governo fascista italiano, entre 1939 e 1940, decidiram fazer uma grande reforma na Casa de Giulietta, no estilo neo-medieval. Tratou-se de uma interpretação do local como um cenário teatral, com toda a decoração focada no mito literário.
Assim, explica o site oficial: “Modifica-se a fachada da casa voltada para o pátio e acrescenta-se a varanda; o interior totalmente revisto e as paredes pintadas com motivos ornamentais que reproduziam os das casas da Idade Média”
Na década de 70, a estátua de Julieta, do artista Nereo Costantini, foi colocada no pátio e em junho de 1973, a Casa de Giulietta foi aberta ao público.
Não foi só a casa que foi completamente repaginada para dar vida ao mito. No início do século 20, o túmulo de Julieta ganhou um busto de mármore de Shakespeare. E, na mesma época da reforma da casa, o governo fascista italiano também planejou uma reforma ao redor do túmulo, para construir uma cripta e jardins semelhantes à representada no filme “Romeu e Julieta” de George Cukor (1936).
Depois de ler todas essas informações, dá para concluir que a Casa Di Giulietta é tão autêntica quanto o Beco Diagonal ou o Castelo de Cinderela nos Parques da Disney. Mas também faz pensar como pontos turísticos surgem e se consolidam no imaginário popular. Segundo o relatório anual de turismo da Comune de Verona, a Casa di Giulietta é a segunda atração mais visitada da cidade, depois da Arena de Verona – um coliseu romano. E a Tomba di Giulietta está entre os 5 museus históricos que mais recebem turistas. Isso sem contar nos filmes e séries que usam tais lugares como pano de fundo.
Shakespeare pode nunca ter pisado em Verona, mas a cidadezinha vale cada segundo da sua visita, seja porque você goste de conhecer lugares charmosos na Itália, seja pela associação romântica com os famosos personagens.
Referências:
https://casadigiulietta.comune.verona.it/
https://www.open.ac.uk/blogs/literarytourist/?p=175
https://www.bl.uk/shakespeare/articles/shakespeares-italian-journeys
Para quando o professor deixar de ser rua
Cidades são vivas. E por isso mesmo também morrem.
Mais que uma alteração de endereço, o dia em que minha avó se mudou de casa foi um velório. Vovó viveria por mais quatro anos, agora em um apartamento moderno, arejado e preparado para o dia a dia de uma idosa e suas limitações, mas doeu perder a casa que três gerações da nossa família chamaram de lar.
O novo apê da Vó Beatriz tinha porteiro 24 horas, dispositivos de segurança contra quedas, elevador, vista para um parque e, mais importante, não tinha as sete escadas da casa, a maior delas bem na porta de entrada. Uma escadaria típica das residências construídas nos anos 1940 em Belo Horizonte, mas que virou sinônimo de perigo e vigilância constante assim que vovó se tornou octogenária e passou a ter problemas de mobilidade.
Essa mudança aconteceu em 2013 e minha avó se foi em 2017, mas pensei nessa história mês passado, quando eu mesmo me mudei da casa onde vivi por quase cinco anos. É que quando ela se mudou para o apartamento, a antiga casa da Vó Beatriz imediatamente mudou de nome. Nas conversas familiares, virou a Casa da Avenida do Contorno.
Pode parecer bobagem, mas eu demorei a perceber isso: no nome, uma casa só ganha endereço quando já está no passado e o lar é outro. Se penso no local onde vivíamos quando minha irmã mais nova nasceu, não falo na casa dos meus pais, mas da Monteiro Lobato. Já minha irmã do meio nasceu no Apartamento da Carlos Frederico Campos enquanto o primeiro lar que meu pai teve com sua segunda esposa hoje é a Casa da Guarda Custódio.
Tive alguns lares em minha vida adulta: a Casa da Francisco Iasi, em São Paulo, talvez tenha sido o primeiro. Já morando de novo em BH, primeiro veio o apartamento da Rua Sapucaí, no bairro Floresta e com vista para o Parque Municipal. Depois, o apê da Pedro Licínio, na Pampulha, e por fim o da Professor Moraes, na Savassi. Foi deste endereço que me mudei no mês passado. Ao ver a última caixa entrar no caminhão-baú e confirmar para o motorista o endereço da nossa (nova) casa, transformamos um lar em memória.
Em 2013, minha avó adicionou mais um elemento nesse caldo de lembranças. Eu e minhas irmãs falávamos, já com saudade, de tudo que tínhamos vivido na Casa da Contorno. Vovó passou então a contar os causos do lar onde ela viveu aos vinte e poucos anos: a Casa da Paraúna. Só que essa avenida foi rebatizada de Getúlio Vargas no começo dos anos 1950.
A mudança de um topônimo é natural e parte da história das cidades, que são vivas - e por isso mesmo também morrem. Mas é também uma violência com as pessoas que guardam num endereço suas memórias. Afinal, eu não sei quase nada sobre o tal Professor Moraes, mas ele ficou com boa parte de minha vida e permanecerá em minhas memórias mesmo que um dia deixe de ser rua.
O livro Flaneuse, de Lauren Elkin: Neste livro envolvente e provocativo, Lauren Elkin examina a figura da "flâneuse", a mulher que caminha pela cidade, explorando e se apropriando do espaço urbano. Elkin traça a história das flâneuses, desde escritoras e artistas do século 19 até mulheres contemporâneas, e compartilha suas próprias experiências como flâneuse em cidades como Paris, Londres e Nova York. "Flâneuse" é uma leitura fascinante que celebra a liberdade e a autonomia das mulheres e convida você a redescobrir a cidade através de novos olhos.
Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, de David Foster Wallace: Esta coletânea de ensaios e reportagens de David Foster Wallace oferece uma visão perspicaz sobre diversos aspectos da vida moderna. Entre os textos, destacam-se a crônica hilária sobre uma feira agrícola em Illinois, a reflexão ética sobre o ato de ferver lagostas vivas para degustação em "Pense na Lagosta", e o inspirador discurso "Isto é Água". Com humor, inteligência, inventividade e um poder de observação assombroso, Wallace ignora as convenções da apuração jornalística e se concentra nos detalhes mais inusitados. Essa coletânea é uma excelente introdução ao universo literário do autor e uma ótima leitura para todos
Todos nós temos lembranças de viagens incríveis e, às vezes, de situações inesperadas e desafiadoras que enfrentamos durante nossas aventuras.
O exercício de hoje é escrever uma crônica sobre a viagem mais imprevisível e emocionante que você já fez. Pode ser aquela vez em que você perdeu o voo, encontrou-se em um país desconhecido sem falar a língua, ou até mesmo se deparou com uma experiência cultural que mudou sua perspectiva sobre o mundo. O importante é compartilhar como essa situação te ajudou a crescer e a se adaptar ao desconhecido.