Eu nasci em Belo Horizonte — não nessa, mas numa que não existe mais
Última chamada para a oficina de crônicas urbanas — edição online: vem!
Eu nasci em Belo Horizonte — não nessa, mas numa que não existe mais. A frase, com a devida alteração do CEP, é do escritor argentino Jorge Luis Borges, que costumava comparar Buenos Aires com as próprias entranhas.
Na Belo Horizonte de 1985, ano em que nasci, regiões hoje verticalizadas ainda eram tomadas por casas. As ruas do bairro onde passei minha infância atendiam por seus nomes de fundação, que eram apenas números. Joguei bola na Rua Quatro, caminhei com minha cachorra Rua Um acima e um dia tive que correr atrás dela até o final da Rua Dois.
Ela se chamava Tânia Mara, nome escolhido por minha mãe para homenagear uma inimiga — não, minha mãe não gostava de cachorros. A Tânia Mara era o típico vira-lata preto. Tinha sobrancelhas amarelas e uma faixa branca no peito, que ela adorava virar para o teto, pedindo carinho. Quando eu tinha oito anos, a Tânia Mara fugiu de casa. Eu estava na casa dos meus avós maternos e nem fiquei sabendo da fuga. A cachorra só voltou um dia depois, exausta.
Num domingo, fui acordado com o choro dos oito filhotes da Tânia Mara, que encheram o quintal de latidos e brincadeiras. Um a um, todos os cachorrinhos ganharam novas casas, até que ficamos só eu e a Tânia Mara. Nossa história terminou no dia 17 de julho de 2005, quando olhei pela janela do quarto e vi minha cachorrinha caída no quintal, olhos abertos para o céu. Enterrei a Tânia Mara no lote vago ao lado de casa — eu, meu pai e meu irmão abrimos a cova.
Hoje, a Rua Quatro tem o nome de um desembargador, o calçamento de pedra virou asfalto e carros passam correndo. A cada mês, uma das casas com jardins de bouganvilles e rosas é substituída por um edifício de dez andares e paredes de vidro.
A casa onde cresci resiste e aquele quintal é meu lugar favorito no mundo. Ainda há o canto acusatório dos bem-te-vis e a algazarra das maritacas na hora do pôr do sol; a pitangueira ainda colore de vermelho o quintal, mas a goiabeira já não existe. Os dois lotes ao lado da casa, vagos durante toda minha infância, hoje são prédios, e um vizinho estaciona o carro em cima da cova da Tânia Mara.
Nasci em Belo Horizonte. Não nessa, mas numa que não existe mais. A gente não costuma pensar nisso, mas as cidades são organismos vivos e por isso também morrem. Eu sinto falta de muitas coisas da minha BH, embora concorde que outras são melhores hoje em dia.
É como escreveu Drummond sobre Itabira, a cidade natal dele: a BH de minha infância é só uma fotografia na parede, mas como dói.
Se você acompanha o 360meridianos, já sabe que eu gosto de escrever sobre a minha cidade. No livro Encontros, coletânea de crônicas lançada pelo 360, quase todas as minhas histórias se passam em BH. A mesma coisa acontece com as outras três coletâneas em que publiquei: Micros, Uai! e Micros-Beagá, da Editora Pangeia, e Crônicas da Quarentena, da Editora Clube dos Autores — essa foi uma premiação nacional que venci em 2020, começo da pandemia, e que foi publicada originalmente no 360meridianos.
Meu próximo livro já está a caminho e tenho dado alguns spoilers na minha newsletter literária (assine aqui). Enquanto ele não chega, resolvi realizar uma oficina de crônicas urbanas — a cidade protagonista.
A oficina será online, na próxima segunda-feira, 26/05, às 19h. Lógico que vou falar muito de Belo Horizonte, mas as técnicas mostradas lá podem ser aplicadas para escrever sobre qualquer cidade.
Você pode reservar sua vaga pelo Sympla, neste link.
Público-alvo da oficina: jornalistas culturais, professores, estudantes, produtores de conteúdo, influenciadores, escritores, agentes públicos, blogueiros de viagem, interessados em escrita criativa e apaixonados por literatura.
Quais habilidades você vai trabalhar e desenvolver: compreensão de crônica urbana e técnicas de observação, reconhecimento de pontos culturais, icônicos e simbólicos, descrição e personificação de espaços urbanos para transformá-los em protagonistas das narrativas, transição entre literatura de cotidiano e literatura do fantástico, criação da cidade-testemunha, entre outros.
Grade horária do Workshop:
Bloco 1 – Fundamentos da Crônica Urbana (40 min)
A crônica urbana como gênero literário e suas definições;
As lições-base dos primeiros cronistas, poetas e romancistas de Belo Horizonte
Olavo Bilac, Arthur Azevedo e João do Rio: uma análise dos célebres cronistas do Rio
Bloco 2 – A Cidade Escrita: Modernismo e Memória (40 min)
A cidade modernista: nos rastros de Carlos Drummond de Andrade;
Como reconhecer pontos culturais, icônicos e simbólicos? A memória de Pedro Nava;
Hilda Furacão: técnicas de Roberto Drummond para transitar entre o cotidiano e o fantástico.
Bloco 3 – Personificação Urbana (40 min)
Mais que um cenário: como inserir a cidade como protagonista atuante em textos literários
Cidade-testemunha: Análises biográficas de Fernando Sabino e Conceição Evaristo que colocam a cidade como uma definidora do eu
Bloco 4 – Cidade Sinestésica (40 min)
Técnicas práticas de observação, descrição e ambientação;
Como imprimir cheiros, sons, sabores e cores na literatura de forma natural.
Você pode reservar sua vaga pelo Sympla, neste link.
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Muito obrigado.
Adorei o texto!
Você dá um belo exemplo do que as pessoas vão aprender. Para só então, no final, convidar as pessoas. Forma muito criativa de “vender o peixe”.
De quebra, temos a aparição breve da Tania Mara (também tenho uma dessas, se chama Zoe e está comigo há 5 anos). Sensacional!
Não nasci em BH, mas casei com uma Belorizontina. Conheço a cidade desde 92, ano da minha primeira viagem a Minas, da minha primeira ida ao Brasil. Meus sogros moravam no centro, perto dessa foto, perto do Othon e da feira da Afonso Pena. Meus sogros morreram, e com isso as minhas estadias passaram do centro para o Gutierrez. E como sinto falta do centro, dos lanches Cidade, do pastelzinho com caldo de cana da Tupis com a Rio de Janeiro, da padaria La Paline. Mas não tem jeito, a cidade mudou, eu mudei, mas a única coisa que não muda é, apesar de tudo, o meu amor pela cidade...