[News 360 # 35] Entre mercados, livros e Minas Gerais
A privatização do Mercado Central e o abandono do Mercado Novo
Carregando uma caixa de som, dois microfones e uma mala cheia de livros, subimos a rampa de entrada do Mercado Novo, em Belo Horizonte. O prédio de tijolos vazados foi erguido em 1963 e ganhou seu nome da comparação com o "Velho" Mercado Central, a 500 metros dali.
Na época, o Mercado Central ainda era o principal centro de abastecimento da capital mineira, mas seus quatrocentos lojistas passavam perrengue no dia a dia do que era quase uma feira a céu aberto. Sem teto e com ruas internas de terra, o Mercado Central sentia os dois climas da cidade: era sinônimo de lamaçal na temporada de chuvas; na estiagem, comerciantes e consumidores conviviam com a antiga fama de BH, que em seus primeiros anos era apelidada de Poeirópolis.
Para resolver o problema, a prefeitura tomou duas medidas. A primeira foi construir o Mercado Novo. O prédio nasceu no terreno que antes pertencia ao sistema de bondes de Belo Horizonte, desativado naquela década. A segunda, numa decisão cercada por polêmicas, foi privatizar o Mercado Central.
Empresas de todo o Brasil buscaram informações, mas os compradores foram, vejam só, os próprios lojistas do Mercado Central, que passou a ser uma cooperativa. A medida - um sucesso - não apenas garantiu a modernização do Mercado Central, mas também contribuiu para jogar no ócio o recém construído Mercado Novo.
Por décadas, o lugar foi endereço apenas de gráficas especializadas em convites de casamento e lojas de velas religiosas; de fábricas de uniformes e vendinhas de legumes. O que mais existia no Mercado Novo, porém, era espaço. Lojas e lojas vazias, corredores nunca ocupados e um prédio que tinha tudo para ser mais uma vítima da especulação imobiliária.
Este texto não é sobre a vitória do Mercado Central e o ocaso do Mercado Novo, embora esse seja um tema interessante. Também não é sobre o renascimento do último, que ocorreu a partir de 2018, quando o terceiro piso do prédio largou o abandono para se tornar um dos lugares mais diferentes do Brasil, tomado por cervejarias e restaurantes, centros culturais e lojas de produtos artesanais.
Este texto é sobre o lançamento do meu livro.
Peço perdão pela repetição, mas estou feliz
Tem sido um tema frequente nas minhas participações nesta coluna, eu sei, e por isso peço perdão, mas esse é mais que o grande momento transformador da minha carreira: é também um exorcismo.
Eu comecei a escrever "Dos que vão morrer, aos mortos" em 2020, no auge da pandemia. Foi só trancado em casa e sem tanto trabalho, afinal o turismo estava parado, que criei coragem para encarar cicatrizes antigas e ousar um sonho há muito esquecido: eu seria escritor, enfim.
Se a escrita foi uma catarse, a publicação foi um susto. Me inscrevi na seleção de originais da Editora Urutau, mas sem botar muita expectativa. No meio de agosto, quando uma das pessoas mais importantes de minha vida se preparava para partir, recebi a notícia: meu livro tinha editora para nascer.
A divulgação do romance foi sem planejamento, do jeito que os dois meses de internação do meu avô permitiram. Post sobre o livro no Instagram no dia em que ele desenvolvia uma infecção; tweet viralizado sobre a morte de minha mãe no mesmo dia em que meu avô reagia - e nos devolvia esperanças. Ele partiu, deixou um vazio-oceano e eu encontrei no livro a minha salvação. No mês em que perdi meu avô, começou o processo de publicação do meu primeiro romance. Um livro sobre o luto e a saudade que sinto de minha mãe, que deixou a vida há 13 anos.
Tudo isso tem seis meses, mas foi só no lançamento que eu percebi a grandiosidade das mudanças. Imerso na perda e envolvido pelos últimos dias de meu avô, eu ainda não tinha comemorado meu livro. Motivos para isso não faltavam: "Dos que vão morrer, aos mortos" bateu o recorde da pré-venda da Editora Urutau, está garantido na Bienal de São Paulo e tem recebido comentários positivos de leitores e críticos. A imprensa também tem dado destaque, e meu livro foi tema de reportagens de diversos veículos - Estado de Minas, O Tempo, Itatiaia, Band...
Prometo que é a última vez que uso esse espaço para falar do meu livro. Neste email, preciso te contar como me senti quando subimos os três lances de escada até o Museu Imaginário, loja que nos acolheu no Mercado Novo. Ansioso e com sono, eu temia tudo. Será que vem alguém? E se esse corredor ficar vazio? E se eu não vender nada e voltar com isso tudo para casa?
Às 11h, as três únicas pessoas presentes - incluindo na conta a minha esposa - pareciam dar razão aos meus temores. Começamos o bate-papo, mediado pelo @ruasdeBH, com vinte minutos de atraso. E aí o lançamento realmente começou. Os dois corredores do Mercado Novo ficaram lotados e conversamos sobre literatura por mais de uma hora. Dezenas de livros encontraram novos lares e a fila da sessão de dedicatórias só foi encerrada depois das 13h.
Quando o evento acabou, descemos para o segundo piso do Mercado Novo e começamos um ritual de chopes, drinks e comidinhas.
O lugar escolhido para isso foi perfeito. Nos últimos 13 anos, construí minha carreira com o jornalismo de viagem. Embora meu livro comece em uma viagem para a África do Sul, todo o restante se passa em BH e com um narrador que morre de medo de viajar.
Belo Horizonte vira não apenas cenário do romance: é também personagem dele. Por isso, é simbólico que o lançamento do meu livro tenha ocorrido num prédio de 60 anos que renasceu há cinco, se tornando um dos pontos turísticos mais importantes da cidade.
Este email é um muito obrigado. Você, leitora e leitor do 360, tem sido fundamental em todo esse processo e na minha transformação em escritor publicado.
Uma nova impressão de "Dos que vão morrer, aos mortos" já está sendo preparada pela Editora Urutau. Essa será a terceira em apenas quatro meses.
Você pode comprar seu exemplar diretamente comigo, ao responder este email ou enviar uma mensagem no meu Instagram pessoal.
Também é possível adquirir o livro pelo site da Urutau.
O preço é o mesmo: R$ 60, mas comprando comigo seu livro vai com dedicatória (e este autor ganha um pouco mais de direitos autorais).
Abraço, obrigado e até a próxima!