[News 360 - 61] O futuro no fundo de uma xícara de café
A Turquia honra seus rituais. E a leitura da borra é um deles.
A Turquia honra seus rituais. Tem o de tomar o çay, o chá turco servido em copinhos curvos. Tem o da hora de comer, com as longas refeições que viram banquete com a fartura enorme de mezes. E tem o ritual da hora do café.
Na Istambul de ontem e na de agora, o café é pretexto pra conversa, superstição, filosofia e, às vezes, até pedido de casamento. Uma tradição que remonta aos tempos antigos e mistura história, misticismo e, quem sabe, uma dose de açúcar (ou sal).
O café turco tem suas manias. Primeiro, não se coa. É moído bem fino, misturado com água e aquecido na areia quente até levantar uma espuminha delicada. A técnica é ancestral, do Império Otomano, e naquela época a bebida tinha uma importância tão grande na vida cotidiana da velha Constantinopla que chegou a ser proibida por medo de que, nessa de reunir para dividir uma xícara e outra, a cafeína acabasse se tornando estimulante de conspiração e revolta política.
Um ritual de café com sal
Entre os muitos rituais que envolvem o café na Turquia, um dos mais curiosos acontece quando o assunto é casamento.
Segundo a tradição, quando um homem quer pedir a mão de uma mulher em casamento, ele e sua família devem visitar a casa dela. Durante essa visita formal, cheia de expectativas e protocolos, é a moça quem prepara e serve o café para o convidado.
Originalmente, se a moça estivesse feliz com o pedido, colocaria açúcar. Se estivesse desconfortável, sem coragem de recusar abertamente, colocaria sal na xícara do pretendente. Era uma maneira de enviar um sinal claro, porém silencioso, de que não está interessada. Ao beber o café salgado, o moço entenderia a mensagem, e ninguém precisa passar pelo constrangimento de uma recusa direta.
Porém, diz uma lenda aí que uma jovem, certa de que queria se casar, ficou tão emocionada durante o preparo que colocou sal sem perceber. O noivo, percebendo o engano, tomou o café até o fim e o casamento aconteceu assim mesmo. Hoje, a tradição é invertida: a moça coloca sal no café para aceitar o pedido e o noivo, como prova de que passaria pelas piores coisas por ela, precisa bebê-lo até o fim.
O futuro no fundo da xícara
Como a (nem tão mais) jovem mística que sou, outro ritual de café me interessava em Istambul: o da leitura da borra.
É que a cafemancia, se a gente quiser dar um nome chique, nasceu ali mesmo, entre as xícaras fumegantes dos antigos cafés de Istambul, quando esses espaços viraram pontos de encontro pra conversar sobre tudo: política, poesia, fofoca e, claro, o futuro.
Em algum momento, alguém olhou pro fundo da xícara e viu mais do que só resíduo: sinais, formas, mensagens. Até hoje, tem gente que leve a sério, tem gente que faz por brincadeira, mas o fato é que a prática ainda é bastante difundida, basta dar uma volta pelas ruelas do bairro hipster de Kadiköy para ver placas oferecendo leitura de “Tarô” para todos os lados.
A lógica é simples (ou não): você bebe o café devagar, pensando na vida. Quando termina, vira a xícara no pires, roda três vezes no sentido anti-horário, faz um pedido e espera o excesso de pó escorrer e esfriar. Quando desvira… lá estão os sinais.
Uma pessoa alfabetizada em manchas de borra é capaz de enxergar imagens, símbolos, profecias.
Há correntes ali? Sinal de elos fortes com outras pessoas. Um navio? Mudanças chegando. Água? Sucesso fluindo.
Ou seja: o futuro parece promissor. Pelo menos na minha xícara.
Foi o me que disse o senhorzinho turco que leu minha xícara num café em Kadıköy, com a seriedade de quem carrega gerações de tradição. Disse que terei sucesso profissional em 2025, mudanças boas na vida, bons períodos financeiros em 2026 e 2027. E ainda soltou um “big boss” no meio da leitura, o que já coloquei no Google Calendar, claro.
Creia você ou não, sair tomando café com estranhos que leem o seu destino foi uma forma diferente e divertida de viver Istambul. Porque mais do que prever o futuro, esse ritual nos aproxima. Como em tantas outras culturas, a hora de tomar um cafezinho envolve dentar, beber, esperar, ouvir.
É exatamente por isso que a tradição persiste, não só nas cafeterias turísticas, mas nas casas das pessoas, nos encontros entre amigas, nas tardes sem pressa.
Ninguém está exatamente preocupado em saber se aquilo tudo é verdade. Isso não importa. O que vale mesmo é o ritual: sentar junto, tomar café devagar, virar a xícara com cuidado, espiar os desenhos e inventar possibilidades.
É um jogo de imaginação, uma desculpa pra fofocar sobre a vida, rir, lembrar de alguém, confessar uma dúvida, fazer uma pergunta boba com esperança de resposta mágica. É só mais uma maneira que a humanidade inventou de estar junto. E isso já é sorte o bastante.
Da minha parte, claro, sigo esperando a bolada que o café me prometeu.
Sobre a Autora:
Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na minha newsletter Migraciones e no meu canal no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Dá pra saber mais do meu trabalho clicando aqui.
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eu acho essa relação turca com o café muito interessante, mesmo sendo um país de maioria muçulmana que normalmente tomam mais chá, o café faz parte do dia-a-dia turco.
E agora você sabe seu futuro de dinheiro, viagem e casamento kkkkk