[360meridianos #30] O Pior Amigo-Secreto do Mundo
Eu deveria ter suspeitado de alguma coisa errada foi no dia da festa, quando todo mundo chegou e colocou os presentes rapidamente numa sacola preta de lixo.
Em inglês, amigo-secreto chama-se Secret Santa (algo como “papai noel secreto”). Apesar de saber o nome, eu sempre achei que a tradição era semelhante na maioria dos lugares do mundo.
Pelo menos, quando eu participei de um amigo-oculto em Portugal, na época do meu mestrado, o processo foi igual no Brasil. Cada um faz um pequeno discurso, todos adivinham o presenteado, e entregamos o presente.
Se o presente é bom ou ruim, aí vai da sorte ou azar de cada um.
Tem gente que tem eterno trauma de amigo-oculto por sempre comprar bons presentes e receber uma meia de cor duvidosa. Mas, eu, particularmente, coleciono boas memórias das trocas de presente da minha numerosa família.
E foi nesse espírito natalino que propus ao grupo de colegas ingleses que fizéssemos um Secret Santa esse ano.
Afinal, eu achava que os ingleses gostavam de natal. As cidades ficam todas decoradas e tem feiras de natal para todos os lados. E principalmente porque, durante todo mês de Dezembro, é praticamente impossível fazer reservas em restaurantes. Todas as empresas, grupos de amigos e famílias fazem comemorações natalinas. Sim, o mês inteiro.
O processo para o nosso amigo secreto começou de forma normal. Com algumas semanas de antecedência, fizemos o sorteio virtual. Definimos um orçamento e uma das colegas criou um questionário para ajudar a facilitar a escolha dos presentes.
O primeiro momento em que eu devia ter suspeitado que isso ia dar errado quando a única pessoa que não respondeu ao questionário foi a amiga que eu tirei no sorteio.
De qualquer forma, eu passei uma semana stalkeando ela no Instagram. Eu tenho orgulho em dar bons presentes e não queira ser a brasileira que presenteou errado.
Comprei um livro que do gênero que ela gosta, um porta joias de uma loja cool e desenhei e pintei o cachorro dela num marcador de livro. E preparei toda feliz o pacote, assim como o discurso para o dia da entrega.
O segundo momento em que eu deveria ter suspeitado de alguma coisa errada foi no dia da festa, quando todo mundo chegou e colocou os presentes rapidamente numa sacola preta de lixo. Tipo um saco de Papai Noel de baixíssima renda.
A noite foi passando, fomos jantar e beber, e nada da troca de presentes.
Até que, do nada, uma colega passou distribuindo os pacotes, sem nenhum aviso. Recebi um embrulho com meu nome, sem nenhuma explicação.
E, não bastasse o choque, tive que ver eles perdidos tentando desvendar para quem era o pacote sem nome que eu levei.
— Mas como eu vou saber quem me deu isso?, perguntei.
— Você não vai saber, é Secret Santa.
— Qual a graça de não saber quem te presenteou?
— Não tem graça, é sempre assim.
Como eu não sou de passar pouca humilhação e já estava bêbada, fiz um discurso para os ingleses como esse era o pior amigo oculto do mundo e expliquei como era no Brasil.
Pelo menos eu não era a única frustrada. Meu colega indiano também estava revoltadíssimo com a situação.
Ainda, foi atrás da minha amiga secreta e contei a ela que tinha sido eu. Ela ficou um pouco sem graça com a minha franqueza, mas agradeceu muito o presente e desejamos Feliz Natal uma a outra.
Depois disso, passei o resto da noite interrogando todas as pessoas até eu descobrir quem tinha me presenteado para poder agradecer. E olha que eu nem gostei muito do regalo. Talvez, afinal, seja essa a graça do Papai Noel Secreto dos ingleses. Não passar a vergonha de dar um presente ruim.