Porque San Andres é parte da Colômbia?
A ilha caribenha está pertinho da Nicaragua foi colonizada por ingleses e seus habitantes nem conversam em espanhol entre si
Ao chegar em San Andrés, ilha no mar do Caribe, a primeira coisa que notei não foi o famoso mar de sete cores - afinal, cheguei a noite e estava bem escuro. Foi o fato do nosso motorista se recusar a falar em espanhol com a gente.
Eu falava em espanhol e ele respondia em inglês.
Será que meu portunhol está ruim demais? — me perguntei confusa. Mas eu já tinha passado 4 dias em Cartagena, sem dificuldades em ser compreendida.
Na manhã seguinte, reparei o mesmo motorista conversando com o pessoal do hotel. Eles não falavam espanhol, e nem inglês, mas um idioma diferente — mas, ao mesmo tempo, semelhante aos dois.
Quem confirmou foi um senhor numa barraquinha de coco.
“Nós somos descendentes de escravizados. Quem era dono dessa ilha eram os britânicos. E para se comunicar sem o patrão entender, os escravizados precisaram criar um jeito diferente de falar”.
A população de San Andrés, descendente de africanos escravizados, desenvolveu uma identidade cultural única, distinta do restante da Colômbia. Eles falam o crioulo sanandresano, uma língua que mistura inglês, espanhol e idiomas africanos, e mantêm tradições que refletem sua herança multicultural.
Não é difícil reparar que a população local não se parece com os colombianos que você vê em Cartagena ou Bogotá. É majoritariamente negra retinta. Quase 60% dos habitantes tem descendência afro-caribenha.
A história de San Andres e do povo raizal
San Andrés foi "descoberta", ou melhor, encontrada, por exploradores espanhóis no início do século 16. A primeira menção da ilha em mapas espanhóis data de 1527.
No entanto, foram os ingleses, escoceses e galeses que, por volta de 1628, estabeleceram os primeiros assentamentos coloniais na ilha. Eles trouxeram escravizados africanos para trabalhar nas plantações de tabaco e algodão, o que influenciou profundamente a composição étnica e cultural da região.
Durante os séculos seguintes, San Andrés tornou-se um refúgio para piratas e corsários, incluindo o notório corsário galés Henry Morgan, que utilizou a ilha como base para suas incursões no Caribe.
Colômbia vs. Nicaragua
No início do século 19, a Espanha retomou o controle da ilha e em 1803 anexou oficialmente San Andrés ao Vice-Reino de Nova Granada, integrando-a ao território que hoje corresponde à Colômbia. Basicamente, foram questões do colonialismo que levaram a ilha ser não ser parte da Nicarágua - que na época nem existia como país.
Mas a ilha de San Andres está mais próxima geograficamente da Nicarágua do que da Colômbia, ela é alvo de disputas entre os dois países desde o início do século 20.
Em 2022, a Corte Internacional de Justiça confirmou a soberania colombiana sobre San Andrés, embora questões relacionadas às fronteiras marítimas ainda sejam constantemente motivo de disputa.
Colombização de San Andres
Os habitantes do Arquipélago de San Andrés, Providencia e Santa Catalina denominam-se Raizal. Se você reparar bem, vem encontrar grafites e placas com a palavra “raizal” pela ilha afora, principalmente fora das áreas mais turísticas, como na região de Orange Hill.
E apesar de ser parte da Colômbia, o povo raizal manteve sua cultura, língua e identidade cultural distintas da porção continental do país a qual foi anexada e está a 720 km de distância.
A religião predominante entre os raizais é protestante, contrário ao catolicismo colombiano. A música e a dança também desempenham papéis centrais na cultura raizal, com gêneros como o calipso e o reggae sendo especialmente populares.
Alguns deles sequer se consideram colombianos, ou, como o nosso motorista de taxi, preferem não falar espanhol.
Porém, no final do século 19, com a independência do Panamá (que fazia parte da Colombia até a construção do Canal), o povo de San Andres teve a chance de trocar de nacionalidade, mas preferiram manter-se parte da Colômbia.
O lado negativo dessa história é que nos anos 1950 o governo - que até então deixava o povo raizal viver a seu modo - passou a promover uma política de colombização das ilhas. Tornou San Andrés um porto livre de impostos, incentivou a migração de colombianos para o arquipélago, e passou a incentivar o catolicismo e a língua espanhola.
Tudo isso sem muita preocupação com o impacto demográfico, cultural ou econômico à população local. Trata-se de ilha é pequena, não tem fonte de água potável e recebe milhares de turistas por ano. O impacto da chegada de um grupo grande de pessoas de outra cultura foi enorme e a marginalização da população nativa foi inevitável.
Atualmente, os raizais continuam a lutar pela preservação de sua cultura e pelo reconhecimento de seus direitos como povo distinto dentro da Colômbia.
Movimentos sociais e políticos têm emergido para defender a autodeterminação e a autonomia do arquipélago, buscando garantir que a voz raizal seja ouvida nas decisões que afetam seu território e modo de vida.
Para saber mais sobre o assunto, recomendo ler o texto “Raizal, identidade étnico-cultural originária de San Andrés (que não é Colômbia)”, no blog umasulamericana.com
Sobre Viajar para San Andres
O turismo é o principal motor econômico da ilha de San Andres, então lembre-se de sua responsabilidade socio-ambiental ao visitá-la.
Tente consumir produtos ou serviços de pequenos empreendedores raizais da ilha. E lembre-se de economizar água e cuidar do seu lixo.
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Não conhecia a história e adorei!